Certa
vez, eu estava com um missionário evangelizando e distribuindo Bíblias
no interior do Timor-Leste e, enquanto caminhávamos ele perguntou se eu
queria vir ao Brasil para estudar. Respondi que era impossível, afinal,
vir ao Brasil fazer o quê? Não tinha dinheiro, não falava a língua
portuguesa, a passagem e o custo de vida no Brasil também eram caros
para mim. O missionário respondeu que para mim era impossível, mas para
Deus tudo é possível. Eu creio, respondi para Ele. O missionário voltou
ao Brasil e não nos falamos mais. Outro missionário perguntou para mim
se eu queria estudar no Brasil e eu disse as minhas limitações. Naquela
época eu estava fazendo o filme de Gênesis na língua Tétum e não tinha
tempo de parar e tirar o passaporte. Era setembro quando encontrei com
o missionário e ele outra vez me perguntou se eu já tinha o novo
passaporte. Naquele dia fui ao Ministério da Justiça e graças a Deus
fui atendido rapidamente. Em geral, um passaporte no Timor demora meses
para ficar pronto. O meu ficou pronto em duas semanas. Em seguida fui à
Embaixada Brasileira para conseguir o visto, o que também não era
fácil. Eu consegui o visto rapidamente e não foi apenas por um ano, mas
para dois anos. Os irmãos de minha igreja disseram que era realmente
plano de Deus a minha vinda para o Brasil.
Com
tudo pronto, conversei com alguns colegas tradutores sobre este curso e
eles me responderam que o Curso de Linguística e Missiologia (CLM) não
era para mim, mas para os brasileiros e brasileiras que iam traduzir a
Bíblia na língua de outros povos, e que eu era timorense e não falava o
português. Eles me perguntaram se eu ia deixar o meu serviço como
tradutor e a minha família por um ano. Por fim me comunicaram que eu
não receberia mais o salário de duzentos dólares pelo trabalho como
tradutor.
Conversei
com minha esposa e filhas e elas ficaram um pouco caladas, mas depois
responderam: “Se é Deus que te chamou, Ele vai te levar para lá para
aprender e melhorar na tradução. Vai, e Deus vai cuidar de nós”. Quando
cheguei no Brasil vi tudo diferente. Eu pensava que Brasília tinha
muitos prédios. Pela manhã, quando vi a chácara da ALEM, senti e me
lembrei de minha Aldeia. Eu tive um choque cultural e, por três dias e
três noites, não consegui dormir. Eu falei com Deus: “Senhor, eu sou
pastor, eu ensinava para as pessoas a não enfrentarem os problemas
sozinhas, mas com a Tua presença...”. O meu colega de quarto era
norte-americano e morava havia dois anos no Brasil. Quando retornávamos
das aulas ele me dizia que não havia entendido nada e, se ele não
entendia nada, quanto mais eu! As aulas pela manhã, tarde e noite
tinham um ritmo a que eu não estava costumado. Ouvi dizer que teríamos
provas, então estudava mais e orava a Deus. Eu estava muito estressado
e várias vezes perguntei a mim mesmo o porquê de eu estar no Brasil e
não tinha respostas.
Um
dia recebi a visita de um pastor e ele logo me perguntou por que eu
estava estudando no CLM porque, segundo ele, o curso é difícil até para
os próprios brasileiros. Para este pastor eu deveria voltar ao Timor.
O
resultado de minha primeira prova foi 2,5 e eu dei Glória a Deus. No
Seminário que estudei na Indonésia, a nota 4,0 é excelente! Mas depois
vi as notas dos colegas, perguntei sobre minha nota; eles me disseram
que era ruim. Mas eu disse a Deus que eu havia estudado. No Timor não
somos incentivados a valorizar as línguas maternas e na matéria de
Educação eu aprendi a valorizar a minha língua materna. Fui muito
abençoado, agradeci a Deus e comecei a ter respostas Dele de que
realmente vale a pena fazer este curso.
Algumas
vezes pensei em desistir, mas eu ouvia nos devocionais: Não desista!
Decidi continuar. Em julho meus colegas foram para o Acampamento de
Treinamento Transcultural na Selva (ATTS) e eu pedi para ser liberado.
Disse para a direção que eu vim de um país que já é selva e eu também
tinha sobrevivido três anos e meio no mato por ocasião da guerra. Fui
liberado e recebi muitos convites para visitar igrejas no Brasil e
divulgar o meu ministério. O quarto módulo do CLM começou com a matéria
de Inglês e na semana seguinte começou Ortografia. A direção do CLM me
consultou se eu ia estudar Ortografia. Eu não sabia que a língua de
enfoque da matéria seria a minha língua materna Mambae. Até então,
estudar a minha língua materna era algo impossível para mim, eu nunca
tinha imaginado que um dia a minha língua, falada por mais de 80 mil
pessoas teria sua própria escrita e músicas espirituais, evangélicas.
Eu aprendi muito, estava feliz. Quando a Ortografia Mambae estava
pronta eu disse em meu coração “Graças a Deus”. Meu colega Marcelo
pediu para eu escrever alguns hinos em Mambae e ele colocou a música.
Quando cantamos eu fiquei tão emocionado que as lágrimas derramaram de
meus olhos. Eu nunca havia sentido isso antes. Era realmente Deus!
Eu
agradeço a Deus, a ALEM e ao CLM porque para mim é algo histórico.
Agora a minha língua tem uma ortografia e músicas. Gravamos as músicas
e levamos ao Conselheiro da Embaixada do Timor Leste no Brasil que fala
Mambae. Ele ouviu e gostou muito. Também levei ao Embaixador do Timor
nove livros da Bíblia traduzidos para a língua Tétum.
Eu
agradeço a ALEM porque o CLM mudou completamente a minha visão. Antes,
o nosso plano era traduzir o Novo Testamento somente para a língua
Tétum e mesmo assim eu quis desistir porque é muito difícil, mas depois
deste curso Deus me deu a certeza que, ao voltar ao Timor-Leste devo
terminar não só o Novo Testamento Tétum, mas a Bíblia inteira em Tétum,
Mambae e em outras línguas mais.
Eu deixei a minha família e meu país este ano, mas uma coisa é inesquecível para mim: estou voltando com uma nova visão.
Eu amo o Brasil, o povo do Brasil é muito bom e acolhedor. Eu respeito o Brasil!
Pr. Carlos Marçal, timorense, tradutor nativo da Bíblia em seu país.
Testemunho pessoal compartilhado por ele mesmo, em língua portuguesa, no último culto de Ceia do CLM, em novembro/2011.
Fonte: Missão Além